Por Paloma Rodrigues - paloma.rodrigues@usp.br
Publicado em 04/05/2012
A maioria dos hospitais da rede pública de saúde do Estado de São
Paulo ainda não segue o modelo recomendado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) para a realização de partos. A instituição recomenda que
seja incentivado o parto normal, em detrimento das cesarianas, bem como
que os procedimentos sejam humanizados e ofereçam uma assistência segura
com o uso apropriado das tecnologias para as gestantes e bebês. Segundo
a obstetriz da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP,
Claudia de Azevedo Aguiar, “o profissional da saúde geralmente não tem o
preparo para lidar com as emoções da mulher. Sua vontade e seu
bem-estar não são priorizados na hora do parto”.
Claudia é autora da dissertação de mestrado Práticas obstétricas e a questão das cesarianas intraparto na rede pública de saúde de São Paulo,
que analisou prontuários de 158 parturientes de dois hospitais da rede
pública de São Paulo, localizados na Zona Leste da capital. Um deles
utilizava o modelo humanizado (Centro de Parto Normal) e o outro o
modelo tradicional, com centro obstétrico. O estudo foi apresentado na
Faculdade de Saúde Pública (FSP), orientado pela professora Ana Cristina
D’Andretta Tanaka, também da FSP.
O parto humanizado prevê assistência total à mulher durante o
trabalho de parto, visando seu conforto. “O que tem que ficar claro é
que esse não é um momento de glorificação do profissional, mas um
momento da mulher e o que tem que ser valorizado é a relação mãe-bebê”.
As mulheres analisadas eram consideradas saudáveis, o que as colocava
na condição ideal para a realização do parto normal. Entretanto, por
motivos diversos — esclarecidos de forma bastante contraditória nesses
prontuários — elas foram submetidas à cesariana. “Algumas
intercorrências podem levar a uma mudança de planos na realização do
parto. O que ficou claro no estudo é que muitas mulheres poderiam ter
seus bebês pelo parto normal, mas em função de intervenções excessivas
ou por uma decisão arbitrária médica, elas foram impedidas”.
Dentre as ações envolvendo o parto humanizado, registradas desde 1996
nas Recomendações da OMS, estão: elaboração de um plano pessoal que
determine onde e por quem será assistido o nascimento, direito ao leito
hospitalar no ato do parto, oferecer líquidos orais durante o trabalho
de parto (no modelo tradicional, ainda se adota o jejum, o que já foi
esclarecido pela Medicina Baseada em Evidências como prejudicial para a
saúde da mulher e do bebê) e não utilizar métodos invasivos e
farmacológicos para alívio de dor durante o trabalho de parto, mas
alternativas como massagens e técnicas de relaxamento.
No Brasil, a questão do acompanhante virou lei. Em 2005 entrou em
vigor a lei nº 11.108, que diz “Os serviços de saúde do Sistema Público
de Saúde, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a
presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o
período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”. Contudo, uma
das justificativas que Claudia teve da dirigente do hospital tradicional
foi de que, por serem salas coletivas, os acompanhantes inibem as
outras gestantes e lhes causam desconforto. Para Claudia, a
justificativa não se vale, “elas apelam para a justificativa da falta de
estrutura para dizer que não é possível garantir privacidade e
acompanhamento para todas as mulheres, o que de fato não é uma
justificativa válida já que essa obrigação é do estado”.
Falhas
Mesmo no hospital que utilizava técnicas do parto humanizado, pode se constatar falhas. Segundo Claudia, apesar de alguns direitos serem respeitados, como acompanhante, outros pontos são deixados de lado. “As gestantes ainda são submetidas a substâncias químicas e farmacológicas para acelerar as contrações e isso pode ser extremamente danoso para mulher e para o bebê”.
Uma substância muito utilizada é a ocitocina. Ela aumenta as
contrações intrauterinas, o que acelera a dilatação da mulher, mas em
contrapartida causa muitas dores na gestante. Ela é altamente danosa
para o corpo humano, quando utilizada incorretamente e só é recomendada
em casos extremos, quando as contrações estão abaixo do normal ou quando
há parada na progressão do trabalho de parto.
O que ainda precisa ser melhorado é o atendimento, com um treinamento
dos profissionais focado na humanização da saúde. “O curso de
obstetrícia da USP foca muito nessa questão, mas vi que outras formações
deixam isso de lado e o profissional passa a ser apenas alguém que tem
de realizar seu serviço, o mais rápido possível”.
Cláudia destaca que o parto normal garante uma recuperação muito mais
rápida à mulher, a mãe pode ficar com o bebê o tempo todo — o que não
acontece na cesariana — há menos perda de sangue e menos uso de
medicamentos e taxa de mortalidade menor. “Infelizmente, a cultura
popular cultiva uma visão errada do parto normal, como algo muito
doloroso. Claro que existe dor, mas todas as mulheres são capazes de
passar pelo parto normal”, afirma.
Foto: Wikimedia Commons
Matéria publicada em Agência USP de Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário