19 de mai. de 2012

Mulheres optam pelo parto em casa, uma das formas mais naturais de ter filho

 Essa mães revelam para o Estado de Minas por que tomaram essa decisão, vivenciando cada detalhe e quebrando tabus



Publicação: 13/05/2012 11:55 Atualização: 13/05/2012 12:11

 (Kalu Brum/Divulgacao )
Não é um retrocesso. Elas preferem dar o nome de revolução. Esclarecidas, jovens e originárias da classe média de Belo Horizonte, elas tiveram a coragem de ir contra um sistema já estabelecido, disseram não a doutores renomados, estão jogando por terra antigos conceitos e, mais que isso, tomaram as rédeas de suas próprias decisões. Convictas de que estão no caminho certo, tampouco se importam se, nos tempos de hoje, as críticas são severas. Não querem polêmicas, só o direito único, indescritível, particular e belo de ser mãe na mais pura essência da palavra. Deram à luz respeitando o ritmo e o ciclo da natureza, que não se atrasa nem antecipa, simplesmente acontece.

São mães que enxergam no parto o nascimento de seu filho e de si como mulher. E que acreditam que para mudar o mundo é preciso, antes de tudo, mudar a forma de nascer. Aproveitando cada contração, elas fizeram do grito uma celebração à vida e da dor uma glória. Não aceitaram uma assistência ao parto baseada no medo e desconhecimento, questionaram os doutores sobre o porquê da anestesia obrigatória (“É assim e pronto”, respondeu o obstetra a uma delas) e, mesmo sob protestos, bateram o pé pelo poder de escolher vivenciar tudo o que ocorre no exato momento de ser mãe.

Conseguiram. Longe das salas frias de hospitais, sem a parafernália médica e sem seguir protocolos, essas mulheres pariram em casa, no aconchego do lar. Escolheram cada detalhe para o grande dia, desde o que comer, a música ambiente e até o local da casa onde queriam dar à luz. O trabalho de parto foi o grito alto da mãe natureza que existe em cada uma delas. Por isso, contorcendo-se ou não, encaram a dor como natural e, ali, próximas de quem amam e de enfermeiras obstetras, se tornaram as donas da situação, as protagonistas na história do próprio parto.

“Coloquei velas, elementos de espiritualidade e cheiros, como os das plantas de que gosto. Raul nasceu dia 29 de março deste ano, na sala da minha casa e ao som de Maria Betânia e Milton Nascimento. Primeiro veio a dor, depois um intenso prazer e, após o nascimento, a sensação de trabalho feito e um orgulho de mim mesma, de ver como a natureza é perfeita”, comenta a historiadora e arquivista Karime Marcenes, que diz não estar voltando aos tempos das avós.

De maternidades, a professora de ioga e formada em letras Geozeli Tássia de Pinho Camargos quer distância. Depois de ter tido o seu primeiro filho, Francisco, por meio de uma cesariana, Geozeli quebrou protocolos e, mesmo que médicos dissessem ser arriscado ter um novo parto de forma natural, com risco de ruptura uterina, ela preferiu ter a sua segunda cria, Téo, dentro de casa. “Fiz desse espaço o nascimento da minha família. Mantive meu lar abastecido com castanha e mel, para me dar energia. Coloquei velas e mantras. E fiquei na plenitude do meu ninho”, conta Geozeli, que vê na sua escolha e nas de outras mulheres o avanço feminino. “É uma questão de direito sobre o próprio corpo.”

Hoje, Dia das Mães, o Bem Viver ouviu as histórias delas, que estão fazendo uma revolução na área da obstetrícia e, por isso, são consideradas as mães coragem do século 21 “A coragem está no fato de ir contra o sistema. Mais corajosas são aquelas que ainda querem ter seus bebês na frieza de um hospital”, diz Catarina Maruaia, uma de nossas personagens.

Celebração da vida

Preparar o ninho. Estar presente de corpo, alma e consciência. Ver, ouvir e sentir. Sem regras nem protocolos. O parto é a celebração da vida, momento em que a mãe é a protagonista e que a natureza (somente ela) cuida de tudo. É assim, como um grande dia de festa, que essas mulheres optam por dar à luz longe das maternidades, encarando o presente divino de serem mães. E com a coragem que lhes é tão particular, nadam contra a corrente, em um país onde mais de 80% dos nascimentos são realizados com intervenções médicas. Apesar da força, ainda são minoria. Em Belo Horizonte, menos de 50 parturientes tiveram seus filhos em casa nos últimos 10 anos, e confessam ter vivenciado sensações inesquecíveis, que se refletem na relação que hoje têm com seus filhos.

Catarina, Kalu, Geozeli, Rita e Karime, entrevistadas pelo Bem Viver, fazem parte dessa revolução silenciosa. Na certeza de que retornar à naturalidade do parto é um ato revolucionário frente à mercantilização da vida, elas vivenciaram, cada qual com sua história, a magia de pôr uma criança no mundo. Catarina Maruaia, por exemplo, escolheu dar à luz Heitor Silva, hoje com 1 ano e 2 meses, em um terreiro de candomblé, ao lado do marido. “Optei por um momento mais espiritual. Escolhi um lugar sagrado. Assim, nasci como mãe e mulher.”

A revolução foi tema para a dissertação de mestrado da psicóloga Heloísa Souza, hoje mestre em antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em 2005, ela desenvolveu, em Florianópolis, a pesquisa “A beleza de nascer em casa: um olhar antropológico sobre a ética, a estética e a sociabilidade no parto domiciliar contemporâneo.” O objetivo era compreender a reinvenção da casa como lugar de nascimento na contemporaneidade. “Essa mudança não é uma simples troca de endereço, mas envolve uma série de novos comportamentos, valores e sentimentos relacionados à maneira de dar à luz nos grandes centros urbanos. São alternativas que buscam reinserir essas experiências em um contexto de afetividade, familiaridade, saúde, beleza e prazer, em contraposição à frieza, impessoalidade e, muitas vezes, violência provenientes do ambiente hospitalar”, diz.

Um outro ponto observado por Heloísa é que a recusa do hospital como um lugar de aconchego está ligado também a um estilo de vida que valoriza a autonomia, uma série de práticas nutricioniais, corporais e espirituais. “Por vezes, a ideia remete a associações com partos de indígenas ou uma certa ideia de ‘retorno’ a nossas origens primitivas. Do ponto de vista antropológico não é assim. Essa é uma visão que ‘congela’ os povos indígenas contemporâneos num passado suposto, e a maior parte desses grupos, estudados por muitos antropólogos, tem visões diferentes do que seja o natural. O maior potencial de transformação do parto natural nas sociedades modernas reside em sua vocação para tencionar as relações de poder construídas entre médicos e pacientes ao exigir o reconhecimento da potência dos corpos femininos”, diz.

RARIDADE

Na contramão de muitos especialistas, a médica Melania Amorim é a favor dessa mudança e lamenta que mais de 98% dos partos brasileiros sejam hospitalares. “Os 2% restantes são aqueles não planejados, ocorrem onde não há médicos, por exemplo. Dar à luz com planejamento fora de uma maternindade ainda é raridade.” Ela diz que as pessoas ainda associam a ideia de que, ao ter um filho em casa, uma parteira irá usar uma tesoura e um pedaço de tecido. “O parto domiciliar hoje em dia é bem assistido por profissionais preparados, que levam o equipamento necessário para eventuais emergências.”

A médica assegura que grandes estudos internacionais apontam que os partos domiciliares, quando comparados aos de baixo risco em hospitais, são semelhantes. “A diferença é que, em casa, a mulher tem satisfação maior”, defende, acrescentando que em 2011 um estudo holândes feito com 65 mil mulheres apontou que, naquele país, 25% dos partos são domiciliares e que não há aumento de riscos. “Existe um mito de que na Holanda, onde a prática é comum, há uma UTI móvel parada na porta da casa das parturientes. Isso não é verdade.”

Com a ideia de que dentro do hospital a mulher é uma paciente e em casa ela é a dona, a especialista aposta que essa revolução está na negação das parturientes a se submeterem a normas e rotinas hospitalares, e poder parir acompanhadas de quem quiser. “É uma energia completamente diferente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) encara isso como um direito reprodutivo, uma liberdade da mulher de escolher seu lugar mais seguro. Algumas vão escolher o hospital e há instituições que adotam políticas menos intervencionistas. Em muitas capitais, elas estão sendo obrigadas a dar à luz dentro de blocos cirúrgicos. O direito da mulher não está sendo respeitado”, critica.

PLACENTA

Todo o parto e as consequências têm um valor tão significativo para essas mulheres que a maioria delas enterra a placenta no quintal de casa e planta árvores por cima, como um símbolo da vida que segue. A pesquisadora Heloísa Souza afirma que aí está a forma especial que essas mães têm de encarar o mundo e de cuidar de si mesmas. Diante disso, ela afirma que o parto domiciliar não se restringe a uma ideia puramente biológica do corpo, mas evoca múltiplos sentidos. “As dores, tão decantadas como marcas do sofrimento feminino, são positivadas e consideradas forças naturais. Atravessá-las é sinônimo de força, coragem e beleza, a ponto de conduzir os participantes do parto, em alguns casos, a experiências de êxtase espiritual”, observa.


 (Kalu Brum/Divulgacao )
Na época, morava em São Paulo e lá se cobrava R$ 8 mil por um parto. Não tinha condições e resolvi vir para um hospital público de Belo Horizonte. Mas optei em ter meu filho Miguel em casa, onde acredito ser o lugar mais saudável para isso, por ser conhecido e acolhedor. Ter essa experiência é uma celebração à vida. Os hormônios presentes na hora do parto são os mesmos de uma relação sexual. A mulher vai gerando mais adrenalina, por isso a experiência chegou a ser, para mim, prazerosa. Antes, na noite anterior a dar à luz, fiquei pulando como sapo no quintal. Ninguém me mandou fazer isso, meu corpo pediu. Era a minha natureza se preparando para essa grande festa. Kalu Brum, doula




 (Maria Tereza Correia/EM/D.A)
Tive meu primeiro filho, Francisco, em 2008, fruto de uma cesárea intraparto hospitalar. Foram muitas horas de internação e durante todo o trabalho de parto sentia tudo que estava acontecendo. Mas, com a cesárea, veio uma lacuna. Perdi a frente do processo e perdi as sensações. A única coisa boa foi que tive Francisco nos braços. Quando veio Téo, não quis ir ao hospital, e, apesar de a medicina dizer ser arriscado ter um parto natural depois de uma cesárea, tive em casa, com toda segurança. Arrumei tudo: coloquei velas, mantras e comida, como mel e castanha. Tive Téo de cócoras. Muitos hospitais de BH não me deixariam ter meu filho assim, por causa do risco da ruptura uterina. A todo momento, as enfermeiras obstetras que me acompanharam no parto domiciliar, observavam qualquer sinal de risco. Fiquei no meu ninho, com uma sensação de plenitude ímpar. Geozeli Tássia de Pinho Camargos, professora de ioga e formada em letras




 (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Queria que fosse algo espiritual e resolvi parir em um terreiro de candomblé, onde meu marido foi criado. A ideia era dar um nascimento respeitoso para o meu filho e estar rodeada de pessoas que gosto. Um mês antes, dormi todos os dias no terreiro, tomava banho de ervas e participava das rezas. Quando estava com mais de 40 semanas, Heitor não nascia e o médico disse que seria preciso a cesariana caso ele não nascesse dentro de alguns dias. As enfermeiras domiciliares, então, fizeram massagens e exercícios de respiração. Heitor nasceu de forma natural. O meu primeiro grito foi contido, mas, aos poucos, tomou força como se eu fosse bicho. Nasci como mãe e mulher. Hoje, meu parto serve de inspiração para o meu convívio com Heitor. Tem coisas que não dá para acelerar, espero o momento dele. Catarina Maruaia, universitária




 (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press.)
Quando decidimos ter Maria Luiza em casa, queríamos algo íntimo e especial. Queria viver no conforto do meu lar. Não levanto uma bandeira pelo parto domiciliar. É uma experiência que não é um mar de rosas. Não tenho aquela visão romântica disso, há muita dor e um volume de sangue imenso. A mulher pode enlouquecer. Durante o trabalho de parto, virei um bicho. Não queria ninguém perto de mim, foi uma coisa instintiva. Hoje, acho incrível contar para minha filha que nascemos juntas e dizer a ela que a ajudei a nascer. Mas se ela tivesse vindo de outra forma, também seria maravilhoso. Lembro do cheiro que invadiu a nossa casa naquela noite: cheiro bom, de sangue e líquidos, de parto. Cheiro de Deus. Rita Elian, servidora pública

FAMOSAS QUE VIVENCIARAM A EXPERIÊNCIA

Mariana Maffei Feola

Em 2011, Mariana, filha da apresentadora Ana Maria Braga, escolheu trazer a pequena Joana ao mundo em casa, em São Paulo. Na época, ela declarou ter sido uma esperiência mágica.

Gisele Bündchen

Depois de oito horas de trabalho de parto e sem anestesia, a modelo deu à luz Benjamin na banheira de sua casa, em Nova York, no dia 8 de dezembro de 2009 e, na época, disse em entrevistas que não sofreu dor e sentiu que, a cada contração, o filho estava chegando mais perto dela.

Andréa Santa Rosa

No dia 10 de dezembro de 2008, a mulher do ator Márcio Garcia deu à luz Felipe em sua casa, no Rio de Janeiro. O terceiro filho do casal nasceu com a ajuda da enfermeira obstetra Heloisa Lessa. Márcio assistiu a tudo, enquanto os outros filhos dormiam.

Parteiras do século 21

Na outra ponta dessas histórias, também há outras mulheres que, no grande dia, apesar do indispensável apoio às parturientes, são visitas da casa. Equipadas para atender qualquer emergência e preparadas para entender esse desejo feminino, enfermeiras obstetras se tornaram as novas parteiras do século 21. Em Belo Horizonte, um grupo de cinco profissionais, referências no assunto, faz o serviço há cerca de 10 anos, e conta que a procura por esse tipo de parto tem aumentado na cidade, ainda que a passos lentos.

Respeitando o direito e as escolhas dessas mães, as enfermeiras explicam que não é qualquer mulher que pode dar à luz no próprio lar. Segundo conta a professora do curso de enfermagem da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) e enfermeira obstetra Míriam Rêgo, para ter um bebê em casa, a mãe precisa ser gestante de baixo risco e ter feito pré-natal. “Parir em domicílio é uma questão de valor, tem a ver com a visão de mundo do casal e o que significa o parto para a mulher”, comenta.

Míriam conta que duas enfermeiras obstetras dão apoio à mulher em seu domicilio no dia de parir. Mas, antes disso, há toda uma preparação. Assim que essas enfermeiras são procuradas, elas fazem uma primeira visita à gestante. “Vamos construindo com ela a história do parto. Pedimos um plano, em que ela detalha como quer que tudo ocorra”, diz. A partir da 35ª semana de gestação, as profissionais passam a fazer visitas frequentes a essas mulheres. Na 37ª semana, esse contato se intensifica.

Quando a mulher entra em trabalho de parto, as enfermeiras, de prontidão, vão para a casa dela e levam consigo o material necessário em caso de emergência. “Levamos a bandeja de parto, com todo o material instrumental”, diz Míriam, acrescentando que sempre há um hospital de retaguarda caso haja alguma emergência. “Como há médicos que não se conformam com essa escolha da mulher, indicamos obstetras que dão esse apoio, ou seja, no dia ele está avisado sobre o parto.”

O objetivo das enfermeiras é proporcionar bem-estar à mãe e ao bebê. “Propiciamos, com massagens, músicas terapêuticas, técnicas de respiração e banhos, métodos para o alívio da dor. Quando é em um hospital, a mulher está entrando no território do profissional da saúde. Na casa delas, somos visitas. Ela é a dona da situação”, afirma Míriam, dizendo que a demanda pelo serviço em BH começou a aumentar em 2009. “É uma transformação que está ocorrendo. Nossa cultura vê o parto como um sofrimento. E essas mulheres buscam outras vivências, diferentes do modelo que está aí. A gente busca atender isso, dando segurança e tentando minimizar qualquer problema.”

CONSCIÊNCIA

A enfermeira obstetra Nelci Muller Xavier Faria, que há 30 anos teve seu filho em casa, em uma época em que as mulheres que optassem por isso eram chamada de loucas, conta que quem escolhe o parto domiciliar está consciente de que vai usar métodos não farmacológicos. “Geralmente, são pessoas que não veem a questão da dor como um problema. São mulheres mais ligadas ao corpo e ao bem-estar”, diz, contando que a parturiente tem a liberdade de escolher a posição e o local onde se sinta mais confortável. “A criança nasce onde a mãe achar mais conforto. Muitas vezes, ela prepara o ninho, mas na hora H acaba sendo em outro lugar”, diverte-se.

O trabalho de parto, segundo as enfermeiras, pode demorar entre duas e 24 horas. A presença das doulas (acompanhantes de parto profissionais, responsáveis pelo conforto físico e emocional da parturiente) também é outro ponto forte para o grande dia. Kalu, depois que teve seu filho em parto domiciliar, gostou tanto da experiência que fez curso para ser doula e passou a fotografar os partos. “Criei um blog, chamado Mamíferas, em que escrevo sobre essa nossa revolução. A página, hoje, tem 2 mil acessos diários. As mulheres não querem mais se submeter a condições humilhantes e agressivas para terem seus bebês”, afirma, dizendo que cada uma tem um jeito particular de lidar com a vida. “É uma experiência ritualística.”

Depois de dar apoio às mulheres, as enfermeiras e doulas ainda acompanham a mãe e o bebê no pós-parto. “Aconselhamos na amamentação e verificamos se está tudo bem com eles. Geralmente, o pós-parto é muito mais tranquilo”, comenta Nelci.


Observação: Optamos por extrair a última parte da entrevista, por não concordarmos com o que foi dito pelo médico. Para ver a matéria inteira, acessem - Jornal de BH Em.com.br

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