16 de abr. de 2012

Parir é o Ato Maior da Liberdade

Por Rosário Bezerra (Mãe, Fonoudióloga e Doula da R.A.M.A.)


“Parir é o ato maior da liberdade. A expansão da vida para além do espiritual e científico. Feminino DEMAIS!” (Waleska Nunes)

Não é coisa de outro mundo. Mas é uma experiência linda, limpa, transformadora. É o início de uma vida. É a força feminina desabrochando no nascimento de uma criança.
Parto domiciliar não é sinônimo de parto desassistido. No Brasil, o número de profissionais preparados e dispostos a dar assistência à parturiente e ao bebê no âmbito domiciliar ainda é reduzido. A maioria dos nascimentos ocorre nos hospitais, permeados pelo “melhor” do modelo tecnocrático que objetiva “salvar vidas” (só não se sabe ao certo do quê). Conhecem aquela velha história de dar o veneno para oferecer o remédio em seguida? Então!

O que eu posso garantir é que o medo irracional que tanto nos persegue em relação a possíveis complicações durante um trabalho de parto (numa gestação de baixo risco) é totalmente infundado. Hospital não é, nem nunca foi garantia de segurança total e absoluta. O hospital reserva, ou ao menos deveria reservar, seu espaço às necessidades reais de intervenções. Para melhor pontuar a afirmação acima, podemos citar que é crescente o investimento do setor público e privado em programas de assistência domiciliar. Home-cares, programas de gerenciamento de casos que tratam de idosos, adultos e crianças com doenças crônico-degenerativas em seu próprio domicílio. Um dos principais objetivos desses programas é prevenir os agravos advindos da exposição aos complicadores que só um hospital oferece.

Desta forma, é lógico entender que protocolos hospitalares raramente contemplam ações favoráveis pra encarar a chegada de um bebê saudável em um parto fisiológico e natural. Procedimentos como episiotomia, amniotomia, kristeller, analgesia, aplicados sistematicamente em todas as mulheres internadas, trazem mais riscos do que benefícios e é praticamente impossível fugir deste pacote. Sem esquecer-se da privação imposta aos primeiros momentos de vida do bebê que sofre pela aspiração de vias áreas de rotina, pelo clampeamento precoce do cordão, pela separação imediata do contato mãe-bebê nas primeiras horas de vida, pelo nitrato de prata nos olhos, pela complementação alimentar com fórmula infantil sem conhecimento e consentimento materno e por aí vai.

Um detalhe veemente ignorado é o de que temos, ao nosso pleno favor, profissionais capacitados a acompanhar e intervir (se necessário) durante o trabalho de parto e parto. Parteiras, obstetras e enfermeiras-obstetras que se qualificam constantemente, garantindo uma assistência segura e cientificamente embasada.

E lamentavelmente, não só as parturientes encontram dificuldades na hora de optar pelo parto domiciliar. Os profissionais citados, que compreendem a fundo a questão da humanização, não conseguem espaço para atuar com liberdade e de acordo com as normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e OMS. Estes órgãos citam, como fundamentais à boa assistência obstétrica, a importância de se respeitar a mulher na decisão do local de seu parto e agir com o mínimo de intervenção possível. Contudo, são tantos os mitos infundados e enraizados na sociedade que não se permite enxergar o “parir feminino” além do modelo hospitalocêntrico e centrado na figura médica. Abaixo, trago uma pequena amostra destes mitos e, em paralelo, as suas respectivas desmistificações escritas pela obstetriz Ana Cristina Duarte:

Mitos do Parto em Casa I: a parteira chega a cavalo ou de bicicleta, e a tiracolo uma bolsa com 3 panos lavados e um livro de rezas.

Verdade: o material que vai no carro do profissional inclui oxigênio, máscara, ambu, material de sutura, anestésico local, instrumentos esterilizados, drogas para contenção hemorrágica, luvas estéreis e outros 20 itens.

Mitos do Parto em Casa II: a parteira é uma senhora boa e rezadeira de 70 anos, que aprendeu o ofício com sua mãe.

Verdade: o profissional que atende parto domiciliar é médico, ou enfermeira obstetra, ou obstetriz, formados em cursos superiores e com experiência em atendimento de partos normais, com e sem complicações.

Mitos do Parto em Casa III: A ideia é nascer em casa custe o que custar, então se complicar, complicou, paciência.

Verdade: o parto começa em casa, mas acaba onde tiver que acabar. Se houver algum sinal de que talvez o parto possa vir a complicar, já é feita a remoção para o hospital.

Mitos do Parto em Casa IV: nos países da Europa onde existe o parto em casa, há uma ambulância na porta de cada mulher que está em trabalho de parto.

Verdade: PUTZ!!! Essa é a maior de todas as mentironas do século XXI! Não existe ambulância na porta em nenhum lugar do mundo!

Mitos do Parto em Casa V: Qualquer mulher pode conseguir um parto em casa.

Verdade: Mulheres que desenvolveram complicações não poderão ter um parto em casa, porque os riscos são aumentados.

Mitos do Parto em Casa VI: Se o bebê precisar de alguma coisa, ele vai morrer.

Verdade: Todo o material que tem para ajudar um bebê num hospital também está presente no parto em casa. Só não será possível fazer assistência a longo prazo pela falta de equipamento adequado.

Mitos do Parto em Casa VII: Se a mulher "rasgar" ficará aberta para sempre, amém.

Verdade: O profissional tem todo o material para reparação de lacerações, do anestésico aos fios especiais de alta absorção.

Mitos do Parto em Casa VIII: Um parto de baixo risco vira de alto risco de uma hora para outra.

Verdade: Menos de 1% das complicações acontecem de uma hora para outra. A maioria são longas evoluções de horas e horas, até se configurar uma mudança de faixa de risco.

Mitos do Parto em Casa IX: depois do parto fica a sujeira para a família limpar.

Verdade: Faz parte do atendimento do parto a limpeza completa de todo o ambiente onde o bebê nascer, a retirada dos vestígios de sangue, e a arrumação.

Mitos do Parto em Casa X: O parto em casa está proibido ou os médicos estão proibidos de atender parto em casa.

Verdade: Nâo existe qualquer proibição. O Conselho de medicina de SP publicou uma matéria de jornal interno dizendo que não aconselha. Isso não é proibição. O conselho tem todas as ferramentas legais para proibir, mas não o fez.

Mitos do Parto em Casa XI: Há grande risco de contaminação, pois não é possível esterilizar a casa.

Verdade: primeiro que o hospital não é esterilizado, pelo contrário, está cheio de bactérias resistentes. Segundo, que o parto normal não ocorre em local estéril em qualquer lugar do planeta.

Mitos do Parto em Casa XII: O bebê tem que ficar em observação depois que nasce, por isso precisa de enfermeiros no hospital.

Verdade: O bebê fica em observação pela equipe após o nascimento e tal qual no hospital ficará em alojamento conjunto com a mãe, recebendo as visitas diárias até a "alta".


Acrescento ainda, alguns estudos que apontam para segurança do parto domiciliar planejado:
Artigo  1:
Artigo 2:

Os avanços da medicina intervencionista foram desenvolvidos para ajudar mulheres e crianças com evolução desfavorável durante o trabalho de parto e jamais deveriam ser aplicados sistematicamente em todas as gestantes de baixo risco. Da maneira que é feito, ao invés de garantir a atenuação das complicações nos partos difíceis, provocou complicações evitáveis. Iatrogenia pura. O pior de tudo é ver um sem número de mulheres totalmente desacreditadas no processo natural chamado gestação. Imaginam seus corpos como bombas-relógios, prestes a causar verdadeiros cataclismos contra o concepto. E fica a pergunta: qual o sentido de tanto terrorismo?

Neste momento, queremos abrir uma ampla discussão com a sociedade para que as gestantes tenham assegurado o direito de escolher, de forma consciente e informada, o local do seu parto. Para isto, um grupo de profissionais humanizados organizou uma petição pública no intuito de promover um debate cientificamente embasado sobre o direito de escolha. (link para petição: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=petparto).

Faz-se mister esclarecer que o movimento de apoio ao parto humanizado não condena ou é contra o parto normal hospitalar.  A nossa luta é contra a cultura do medo e de escolhas baseadas em achismos, contra o absurdo número de cesarianas sem indicação clínica, contra a medicalização indiscriminada na hora do parto, contra a violência obstétrica e institucional sofridas pela parturiente e contra tantos outros abusos praticados por uma medicina meramente curativa, retrógrada, e insensível que mostra estar despreparada para atender e entender as necessidades de uma mulher durante a mais intensa e recompensadora vivência do seu sagrado feminino.
Rosário em seu momento transformador

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