O dilemma
do registro de uma criança nascida de parto domiciliar em Natal RN
Inspirado
do texto de Tatiana Calvacanti Frank Enfermeira Obstetra.
Ao parir em casa, em um
trabalho de parto que pode demorar horas, poucas ou muitas ou até dias, a
mulher e família certamente afastaram-se da triste e atual realidade
obstétrica. Porém, ledo engano de quem acredita que com isto conseguiu
vencer o sistema. Existe mais um passo, o registro da criança e a grande chance
de ser engolido pelo sistema novamente.
Da mesma forma que os
hospitais e profissionais estão despreparados para atender um parto de forma
natural e a sociedade despreparada para vivenciar um nascimento mais
fisiológico, os cartórios também estão na mesma linha, despreparados para
realizar o registro da criança que nasceu em casa.
Escutamos com frequência
de oficiais de cartório ao proceder ao registro de uma criança que nasceu no
domicílio: “por que não nasceu no hospital? não deu tempo?” ou “quando nasce em
casa é bem diferente para fazer o registro”. Será que episódios como este
poderiam ser caracterizados como discriminação ou é puro desconhecimento? O
despreparo não é uma faceta do preconceito com quem faz diferente do sistema? A
forma de chegar ao mundo para quem nasce em casa realmente é diferente. Tende a
ser mais acolhedora, mais amorosa, mais harmoniosa. Agora, quanto ao direito ao
registro e com agilidade, por se tratar de absoluta prioridade pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente não há nada de diferente. A lei é a mesma. Basta
conhecê-la, seguir o que ela estabelece e assegurar que o cidadão tenha acesso.
Apesar da solicitação à
Secretaria Estadual e Municipal de Saúde, a cidade de Natal RN região
metropolitana ainda não estão adequadas quanto ao fluxo da liberação da DNV, já
foram tomadas providências e informam que estão organizando os trâmites para
liberação aos profissionais e parteiras tradicionais e somente os cartórios
possuem acesso a declaração para registrar quem nasceu em casa. Espero que a
solução seja breve. Esta também é a realidade de vários municípios brasileiros.
Quem oferece o serviço
de registro, neste caso os Cartórios de Registro Civil, devem no mínimo
conhecer as leis que os regem. Mas este fato passa longe. Ao entrar em contato
com os cartórios e confirmar os documentos necessários e se possuem DNV as
informações são diferentes das estabelecidas nas leis para o registro, o
telefone passa de uma pessoa para outra, novamente para outra ou pedem para
ligar mais tarde.
Estes dias, em um
cartório que não possuía a DNV o oficial simplesmente informou: “voltem daqui
uns oito dias”. Isso mesmo. “Voltem daqui uns oito dias”. Um descaso absurdo
que mesmo com explicações manteve-se. “Ah, se quiserem dirijam-se à
Corregedoria e peçam para o juiz determinar, que aí penso no que fazer, hoje
não tenho a declaração”. Simples assim. Desconsidera-se que o pai da criança
estava perdendo um dia de sua licença paternidade, que a mãe poderia estar
sozinha em casa com o bebê, que a equipe perdeu um dia de sua atividade, que
houve deslocamento por grandes distâncias, que as testemunhas deixaram seus
trabalhos ou casa para estarem presentes, que havia custo para o estacionamento
dos veículos. Une-se o desconhecimento com a má vontade do próprio serviço. É
obrigação e não favor
É o registro que tornará a
criança reconhecida legalmente pelo Estado, é ele que permitirá a inserção da
criança em planos de saúde e servirá como documento para a solicitação da
licença paternidade e maternidade. Portanto, desculpe!!! Mas não dá para esperar
oito dias, não dá para aceitar a incompetência de quem deveria estar fazendo o
que lhe cabe.
Daria para escrever um livro
contando os episódios trágicos de idas aos cartórios, de exigências incabíveis
ou recomendações inadequadas. Pedem a declaração de um médico de que o bebê
nasceu em casa (como, se o parto foi atendido por enfermeira obstetra, por
parteira ou mesmo desassistido?); exigem o cartão de pré-natal e
ultrassonografias; solicitam a presença da mãe e do bebê; delimitam horários
para o registro; alguns não possuem a Declaração de Nascido Vivo e ainda
justificam de que o registro está demorando em função do parto ter sido domiciliar.
É preciso muita paciência, apresentar as leis, argumentar e não aceitar as
imposições. É preciso literalmente “ensinar o padre a rezar a missa”. Sou a
favor de uma grande rigorosidade para se proceder ao registro e disponho-me a
ir para evitar registros ilegais, só não consigo aceitar arbitrariedades.
Sabemos de casos no
Brasil onde as famílias que planejaram e tiveram seus filhos em casa precisaram
entrar com processos judiciais para garantir o registro da criança. Processos
que perduraram ou ainda perduram por mais de meses. Um transtorno imensurável
para a família e criança. Em outros, foram solicitados exames de DNA para
comprovar maternidade e paternidade. Em alguns estados todo o fluxo já funciona
como preconizado.
Existem profissionais
que recomendam à gestante ir ao cartório antes de parir, “se apresentar”,
sinceramente discordo. É obrigação de o cartório proceder ao registro mediante
documentos e testemunhas. Ponto. Fato. Mas, para quem contempla a orientação
como adequada, esta pode ser uma possibilidade. Aqui, enquanto isto vou
insistindo para organizarem o fluxo de fornecimento da DNV e obter o bloco.
Quem sabe, enviar uma carta aos cartórios e corregedoria explicando sobre o
Parto Domiciliar Planejado e que esta prática está crescente no estado e país
pode ajudar até que tudo se estabeleça.
A seguir algumas
informações que podem instrumentalizar famílias e equipes que vierem a
registrar os pequenos que nasceram em casa de forma planejada, e talvez, com
argumentos consistentes facilite as discussões com Secretarias Municipais de
Saúde e cartórios.
O
que é preciso para registrar uma criança que nasceu em casa?
Quando a DNV já é
fornecida aos profissionais de saúde ou parteiras tradicionais pela Secretaria
Municipal de Saúde, o pai da criança ou a mãe (quando o pai não constará no
registro) deve ir ao Cartório de Registro Civil portando identidade do pai e da
mãe ou da mãe e a DNV entregue pelos profissionais.
Quando o fluxo para o
fornecimento da DNV ainda não está organizado o cartório irá preencher a DNV.
De acordo com a Lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973 2,
com algumas alterações estabelecidas pela Lei 12.662 de 5 de junho de 2012 3 que
regula a expedição da Declaração de Nascido Vivo (DNV), há a necessidade
de que o registro ocorra até 15 dias de vida se for feito pelo pai, na falta
deste e realizado pela mãe o prazo se estende para 45 dias. O prazo também
aumenta em até três meses para bebês nascidos em lugares distantes – mais de
trinta quilômetros da sede do cartório. O pai da criança deve se dirigir ao
cartório da região onde reside ou onde ocorreu o parto, portando comprovante de
endereço (em geral exigido pelos cartórios) e documento de identidade da mãe e
do pai da criança.
Ainda, o cartório pode
solicitar que o pai deva estar acompanhado de duas testemunhas, ou da parteira
(o) ou declaração da parteira (o) contendo os dados de nascimento. Neste caso,
testemunhas precisam estar portando identidade e CPF, e em caso de profissional
de saúde ou parteira também identidade e CPF acrescido da carteira profissional
A
quem cabe fornecer e preencher a Declaração de Nascido Vivo?
A Portaria 116 de
11.02.2009 4 estabelece que as Secretarias
Estaduais de Saúde são responsáveis pela distribuição da DNV às Secretarias
Municipais de Saúde e aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, sendo de
responsabilidade destes a distribuição e utilização do documento.
Cabe às Secretarias
Municipais de Saúde a distribuição para “estabelecimentos e Serviços de Saúde,
onde possam ocorrer partos, inclusive os de atendimento ou internação
domiciliar; para médicos e enfermeiros, parteiras tradicionais reconhecidas e
vinculadas a unidades de saúde, que atuem em partos domiciliares, cadastrados
pelas Secretarias Municipais de Saúde e Cartórios de Registro Civil” (§8º da
Portaria 116 de 11.02.2009 4).
Desta forma, os
profissionais e parteiras podem estar requisitando o bloco nas Secretarias
Municipais de Saúde mediante cadastro.
O Manual de Instruções
de Preenchimento de Declaração de Nascidos Vivos de 2011 do Ministério da Saúde 5 traz como proceder ao preenchimento e
fluxo de fornecimento da DNV.
Caso a Secretaria
Municipal de Saúde não tenha organizado o fluxo adequado, permanece a
responsabilidade aos cartórios em terem a Declaração de Nascido Vivo no ato do
registro. Assim, todo Cartório de Registro Civil deve possuir a DNV para poder
proceder ao registro de crianças que não nasceram em estabelecimento hospitalar
ou não contaram com assistência profissional ou de parteiras no evento.
E
em caso de dúvida pelo oficial do cartório sobre o nascimento em casa?
O Art. 52 da lei 6.015
de 31 de dezembro de 1973 2, aponta que “quando o oficial tiver
motivo para duvidar da declaração, poderá ir à casa do recém-nascido verificar
a sua existência, ou exigir a atestação do médico ou parteira que tiver
assistido o parto, ou o testemunho de duas pessoas que não forem os pais e
tiverem visto o recém-nascido”.
Conforme a lei, o
oficial do cartório não pode exigir a presença da mãe e/ou da criança. É ele
que deve se dirigir à residência da mãe.
E
se o oficial do cartório se recusar ou retardar o registro?
No caso do “oficial do
registro civil recusar fazer ou retardar qualquer registro, averbação ou
anotação, bem como o fornecimento da certidão, as partes prejudicadas poderão
queixar-se à autoridade judiciária, a qual, ouvindo o acusado, decidirá dentro
de cinco (5) dias. § 1º Se for injusta a recusa ou injustificada a demora,
o Juiz que tomar conhecimento do fato poderá impor ao oficial multa de um a dez
salários mínimos da região, ordenando que, no prazo improrrogável de vinte e
quatro (24) horas, seja feito o registro, a averbação, a anotação ou fornecida
certidão, sob pena de prisão de cinco (5) a vinte (20) dias (Art. 47 da Lei
6.015 de 31 de dezembro de 1973 2).
Portanto, havendo
negativa ou retardo do registro pelo cartório e estando de acordo com as
exigências para procedê-lo, torna-se imprescindível dirigir-se à CORREGEDORIA
DOS CARTÓRIOS e realizar a denúncia.
Fontes:
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